Foi no passado dia 17 de Setembro aprovada em Assembleia-Geral da Ordem dos Advogados a proposta que prevê que o acesso à profissão, por parte dos licenciados em direito Pós-Bolonha, esteja reservado apenas àqueles que possuam o grau de mestre ou doutor, ou o respetivo equivalente legal, ou bem assim pós-graduações reconhecidas pela Ordem dos Advogados (OA).
A questão não é nova, mas nem por isso deixa de ser pertinente e atual, considerando a também previsível alteração das regras aplicáveis ao regulamento de estágio, nomeadamente no que respeita ao seu período de duração e à reestruturação do modelo de formação.
A questão primeira que se deve colocar é se tem a OA competência para restringir o acesso à profissão, nomeadamente impondo um grau acrescido de formação aos licenciados em direito como requisito prévio à sua inscrição.
Na realidade, qualquer alteração a este respeito, implica necessariamente uma alteração do estatuto da ordem dos advogados (“EOA”), nomeadamente do seu artigo 194.º da EOA, cujo projeto de alteração, carece de ser aprovado em Assembleia Geral da OA (sob proposta do Conselho Geral), que deverá ser remetido, posteriormente, à Assembleia da República para aprovação.
Em suma, sem prejuízo da iniciativa levada a cabo pela OA, a última palavra caberá sempre à Assembleia da República, titular do poder legislativo nesta matéria, e a quem compete decidir sobre o acolhimento e implementação da referida alteração.
Outra questão não menos relevante prende-se com o mérito e a bondade desta alteração.
Estima-se que neste momento existam cerca de 33.000 advogados em Portugal, sendo que uma percentagem significativa tem menos de 40 anos de idade e exerce maioritariamente a sua atividade em regime de prática individual.
Acresce que o estágio profissional de advocacia não é, como sabemos, obrigatoriamente remunerado, algo profundamente injusto e incompreensível nos dias que correm, sobretudo se comparamos a realidade da advocacia com a de outros profissionais liberais e o inegável e meritório contributo que muitos jovens advogados prestam no seu dia-a-dia nas organizações onde se inserem.
O contexto precário e frágil em que muitos advogados, sobretudo os mais jovens, exercem a sua atividade, contrasta, pois, com a estranha e ávida intenção de limitar o acesso à profissão aos que nela já se encontram estabelecidos.
A geração mais qualificada da história é, incompreensivelmente, a geração mais desprotegida e precária de sempre. Uma aparente contradição que, a meu ver, apenas serve para atestar o óbvio, a obtenção do grau de mestre ou doutor não faz (nem fará) de um recém-licenciado, por si só, melhor advogado.
A opção pelo mestrado ou doutoramento deveria ser corolário natural do percurso profissional e, sobretudo, académico de um jurista e não pré-requisito no acesso à profissão.
Tornar esta exigência obrigatória, apenas contribuirá para adensar, ainda mais, o fenómeno de vulgarização dos mestrados e doutoramentos nas universidades e a mercantilização do ensino superior a que temos assistido nos últimos anos em que a proliferação de cursos de direito tem funcionado como um meio para atingir um fim – a sustentabilidade financeira das universidades –, e não um fim em si mesmo.
Não sabemos qual será o resultado da votação, mas a fazer fé na posição pública manifestada pelas diferentes juventudes partidárias, alicerçadas nas vozes de protesto das associações de estudantes de direito, parece-me que esta proposta dificilmente sairá do papel.
Se assim for, dir-se-á que perdemos tempo precioso a discutir este tema, que apenas serviu para dividir ainda mais a classe e fomentar um conflito inter-geracional que em nada contribuiu para defesa dos interesses dos advogados.
Autor: Francisco Goes Pinheiro I Presidente JALP